Alan Gama é um dos sobreviventes do
garimpo ilegal de pedras preciosas, localizado na Serra da Quixaba, na
Bahia próxima de Sento Sé, às margens do rio São Francisco. É neste
garimpo onde Alan “tentou a sorte” quando soube da descoberta de uma
jazida de ametista. Foi um dos primeiros a chegar no local.
“Ali não existe vida digna. Na serra, no
garimpo apenas sobrevivemos. Não existe lei de Governo Federal, Estadual
e Municipal, saúde, segurança. Existe um amontoado de pessoas que
parecem formigas, catando, escavacando o solo. Todos ali, crianças,
adultos, mulheres e homens sobrevivem dia e noite. O tempo é a esperança
de ganhar muito dinheiro. Mas também há casos de quem investiu e perdeu
tudo.” conta Alan.
Sento Sé vive uma revolução desde a
descoberta da pedra preciosa, uma jazida de ametistas no alto da Serra
do Quixaba. “Tem gente ali de todos os cantos do país”, revela Alan. O
ex-garimpeiro conta que no meio da caatinga, centenas de barracos feitos
de paus de madeira e cobertos viram os bares, a mesa de sinuca e também
alegria de um forró. “O garimpo faz girar a economia da cidade mesmo
sem o cumprimento oficial, sem a presença do Governo Federal, Estadual e
Municipal que lá no garimpo não existe”.
“Hoje dou valor a um copo com água. No
garimpo lógico a água não é tratada. Para beber, paga-se muito mais
caro. Com a escassez, já se imagina que não dá para tomar banho todos os
dias, apesar do calor sufocante”. A temperatura chega acima dos 40
graus. “A coragem e o destemor são marcas lá para poder atingir metas.
Existem buracos e que não são revelados que já atingem mais de 150
metros de profundidade. Todos se arriscam a descer com apenas uma
lanterna e tubos quase sem ar. Mortes já existiram que não se divulga”.
Alan conta que “toda a riqueza, as pedras
mais valiosas financeiramente vão para a Ásia, pelas mãos principalmente
de chineses. “É uma exploração sem tamanhos que envolve todos os
lados. Uma pedra de ametistas chega a valer 200 e R$ 300 pelo quilo da
pedra bruta, mas também pode pagar R$ 1.500, R$ 5 mil e muito mais pelo
quilo da pedra já apurada, martelada”, explica Alan.
E existe a presença da fé, de um Deus lá?
Alan sorri e responde: “A fé é ficar rico em dinheiro. Mas existe a fé
sim. Sem ela a esperança também morre e lá o que se mais se tem é
esperança, mesmo prevalecendo a injustiça social. Existe a fé de ajudar a
família e ter o pão de cada dia. Mas existe a ganância de quem tem mais
dinheiro e explora, é o tal do capitalismo selvagem.”
Povoando dramaticamente esta paisagem um
texto de José Saramago, mostra esta realidade social e econômica,
vagando entre o sonho e o desespero. Em Sento Sé existem centenas de
garimpeiros que neste momento, dia e noites sobrevivem. Lá não existe a
dignidade simples que só o trabalho pode conferir.
Os garimpeiros de Sento Sé sofrem o longo
calvário que tem sido a perseguição sofrida pelos trabalhadores sem a
presença do Estado e das Políticas Públicas, uma perseguição contínua,
sistemática, desapiedada, que causa mortes e vítimas feridas , cobrindo
de luto a miséria dos homens de todos os estados do Brasil, com mais
evidência estados do Nordeste e Minas Gerais, Pará, Mato Grosso que
contam, só eles, com a esperança de encontrar uma pedra preciosa e
vender.
Há décadas, pesquisadores e ambientalistas
pedem que a área onde está a serra das ametistas e o seu entorno, numa
extensão de quase oito mil quilômetros quadrados, seja transformado em
uma unidade de conservação, o Parque Nacional do Boqueirão da Onça, com o
propósito de preservar a caatinga, único bioma exclusivamente
brasileiro.
Escrito no início dos ano 90, a reflexão de José Saramago continua atual:
“A partir de hoje chamar-me-eis Justiça. E a multidão respondeu-lhe:“Justiça, já nós a temos, e não nos atende.”
Disse Deus: “Sendo assim, tomarei o nome de Direito.”
E a multidão tomou a responder-lhe:
“Direito, já nós o temos, e não nos conhece.”
E Deus: “Nesse caso, ficarei com o nome de Caridade, que é um nome bonito”.
Disse a multidão: “Não necessitamos caridade, o que queremos é uma Justiça que se cumpra e um Direito que nos respeite.” RGN